Com o tema coreografias do impossível e entrada gratuita, a 35a Bienal pode ser visitada até 10/12/23
Uma curadoria horizontal composta por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel e projeto arquitetônico/expográfico desenvolvido pelo escritório de arquitetura Vão, a mostra conta com a participação de 121 artistas e cerca de 1.100 obras que preencheram os espaços do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. A 35a bienal abriu suas portas no dia 06/09 e, até dezembro, além da exposição uma série de atividades e ativações estarão disponíveis para o público.
Como nos explica a organização do evento: “a pergunta que permanece é: como as impossibilidades de nossa vida cotidiana refletem na produção artística? As coreografias do impossível nos ajudam a perceber que diariamente encontramos estratégias que desafiam o impossível, e são essas estratégias e ferramentas para tornar o impossível possível que encontraremos nas obras dos artistas”.
A resistência nossa de cada dia
Pensar nessas impossibilidades cotidianas nos faz sair do reino das abstrações e plantar nossos pés na terra, no plano onde as relações (im)possíveis se dão. Relações, talvez esse seja o melhor fio condutor para se pensar o cotidiano.
A discussão sobre as relações entre humanos, não-humanos, seres e entes de todos os reinos, visíveis e invisíveis são incontornáveis. Os deslocamentos contemporâneos centro x periferia, norte x sul global e, inclusive, o deslocamento da humanidade do centro estão definitivamente em pauta.
Um diálogo que coloca todas as existências em pé de igualdade, o que é refletido na própria curadoria que abriu mão de uma hierarquia. O centro é o todo e se manifesta em todas as vivências. A seguir, alguns destaques que ilustram bem essas relações:
aline motta – a água é uma máquina do tempo
Aline Motta, artista brasileira natural de Niterói, tem um trabalho que utiliza múltiplas linguagens. Na obra apresentada na bienal, Aline mergulha nos arquivos e memórias familiares. O resultado, que une relatos pessoais, performance, texto e vídeo, é a máquina do tempo que permite à artista elaborar o luto, pela perda da mãe, em uma epopeia que se inicia/termina no ventre de sua avó materna. Eu fiquei genuinamente emocionada com a sensibilidade, honestidade e poesia presentes nesse projeto e recomendo essa experiência que dura em torno de 30 minutos.
daniel lie – outres
Daniel Lie, artiste indonésio-penambucano nascido em São Paulo, apresenta na bienal sua instalação-entidade “outres”. Daniel reflete sobre a temporalidade e desafia uma série de (pre)conceitos ao deslocar a humanidade do centro e trazer para a conversa o orgânico, com seus entes visíveis e invisíveis, esse efêmero-mutável que nos acompanha inexoravelmente. Sua obra é uma espécie de memento mori, um recado endereçado, principalmente, para os “humanos sintéticos” – aqui invoco Nêgo Bispo – de que ainda somos essa matéria sujeita às vicissitudes da vida.
makhu – pinturas
MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin), fundado em 2013, é um coletivo de artistas baseado entre o município de Jordão e a aldeia Chico Curumim, na Terra Indígena Kaxinawá do rio Jordão, estado do Acre, Brasil. O coletivo é um dos principais agentes no cenário da arte contemporânea brasileira e é composto pelos artistas Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin, Mana Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges. Suas pinturas vão além da ilustração e representam experiências que funcionam como narrativas míticas e ancestrais descritas em seus cânticos rituais. Cores, grafismos e a relação entre humanos e demais entes da natureza estão presentes em suas obras.
rosa gauditano – vidas proibidas
Rosa Gauditano, fotógrafa brasileira, natural de São Paulo, traz para a bienal, pela primeira vez exposta, a série Vidas Proibidas. Um conjunto de fotografias, feito no final dos anos 1970 – ainda durante a ditadura militar – e que mostra a comunidade lésbica, seus corpos e relações, no Ferro’s Bar, um local de sociabilidade e reduto de resistência e afeto, em um momento tão violento e repressor da nossa história. A galeria se divide em dois espaços, mas eu não vou dar spoiler aqui. Não deixe de conferir!
zumví – arquivo afro fotográfico
Fundado em 1990 por Lázaro Roberto, Ademar Marques e Raimundo Monteiro, e fisicamente instalado entre o Pelourinho e a Fazenda Grande, em Salvador, Bahia, Zumví possui um arquivo que abriga 30 mil fotografias (além de documentos pessoais, cartazes, cartões-postais e documentos diversos) que abrangem três décadas. De origem comunitária, sem apoios institucionais ou burocracia, como o próprio nome sugere, Zumví se baseia no aquilombamento, um lugar de resistência, comunidade e liberdade onde a negritude e ancestralidade são exaltados.
Esses foram apenas alguns destaques, tem muita coisa para ver. Essas e outras reflexões podem ser observadas nas mais de mil obras, em diversas linguagens, que compõem a 35a Bienal. Pela envergadura do evento a minha dica é reservar, pelo menos, dois dias para visitar e apreciar com mais calma. Acesse o site do evento e programe-se.
Comments