Como as discussões descoloniais estão redefinindo imaginários e percepções para a desconstrução de um mundo marcado pelo colonialismo.
Nos últimos anos, as discussões descoloniais, a decolonização e o anticolonialismo têm ganhado cada vez mais destaque em diversos campos, incluindo as artes visuais. Esses termos carregam consigo um profundo significado e representam um movimento importante para desafiar as estruturas de poder e narrativas eurocêntricas que moldaram a história da arte. Neste post, vamos explorar o que significam essas discussões e como elas impactam o mundo das artes visuais.
Em agosto/23 veio à tona o roubo de cerca de duas mil peças do Museu Britânico o que, além da investigação policial para identificar a autoria, culminou com a demissão do então diretor do museu. Esse caso é exemplar, pois emergiu em um momento onde discute-se a devolução de obras e artefatos, provenientes de antigas colônias, para seus países de origem.
Há resistência por parte de algumas instituições com relação à devolução dessas obras e uma das alegações seria a “incapacidade”, dos países de destino, de cuidar dessas peças, o caso do roubo mencionado põe em cheque essa alegação.
Descolonização nas artes visuais: um breve contexto
A descolonização nas artes visuais refere-se ao processo de desfazer as influências coloniais que moldaram a produção artística. Historicamente, o colonialismo europeu impôs sua visão de mundo e estética sobre as culturas colonizadas, muitas vezes retratando-as de forma estereotipada e/ou exótica.
Artistas contemporâneos têm buscado desafiar essas representações, ao resgatar suas próprias identidades e reivindicar suas narrativas culturais ao criar obras que refletem suas experiências e a de seu povo.
Decolonização e anticolonialismo: diferenças e similaridades
Os três termos são comumente utilizados, mas é importante fazer uma breve distinção entre decolonização e anticolonialismo. A decolonização está relacionada à desconstrução das estruturas coloniais e à busca por autonomia cultural e política.
Por outro lado, o anticolonialismo se concentra na resistência ativa contra o colonialismo e na luta pela libertação das influências coloniais. Todos os conceitos têm impacto nas artes visuais, pois influenciam a escolha de temas, linguagem, estilos e abordagens artísticas.
Algumas referências importantes
Para entender como essas discussões se manifestam na prática, é essencial examinar o trabalho de artistas que abordam questões de descolonização e o anticolonialismo em suas obras. Com a prática cada vez mais frequente das curadorias colaborativas, esses trabalhos estão cada vez mais presentes em exposições, mostras, festivais e afins.
O tema é bastante recorrente, também, na produção acadêmica. A existência de inúmeros trabalhos acadêmicos que abordam esse assunto contribui significativamente para a pesquisa, difusão e o entendimento da temática descolonial.
Artistas e pensadores/as negros/as como Frantz Fanon, Aimé Césaire, Grada Kilomba, Achille Mbembee e Wangechi Mutu exploraram as complexidades da identidade pós-colonial em suas criações e escritos, desafiando estereótipos e oferecendo novas perspectivas.
No Brasil podemos destacar as obras de Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento, Lélia Gonzales, Conceição Evaristo, Rosana Paulino e Ana Maria Gonçalves.
Pensadores/as e artistas indígenas também trazem contribuições importantes e urgentes para a discussão. Louise Erdrich (EUA) é uma autora aclamada do povo Ojibwe. Suas obras, como “A Casa Redonda”, exploram temas relacionados à identidade indígena, cultura e relações familiares.
Lee Maracle (Canadá), da nação Stó:lō, foi uma escritora, educadora e ativista. Suas obras, como “Ravensong” e “I Am Woman”, abordam questões de identidade indígena, feminismo e colonialismo.
Sally Morgan é uma artista e autora aborígene da Austrália. Seu livro “My Place” é uma autobiografia que descreve sua jornada de descoberta de suas raízes e identidade aborígenes.
No Brasil, Eliane Potiguara é escritora, professora e ativista da etnia Potiguara. Seus escritos frequentemente abordam a temática indígena, feminismo e educação, promovendo a conscientização e o respeito pela cultura indígena.
Kaka Werá Jecupé, da etnia Tupi Guarani, é conhecido por suas atividades como escritor e educador ambiental. Ele escreve sobre espiritualidade indígena e a relação intrínseca entre os povos indígenas e a natureza.
Jaider Esbell foi um artista visual e escritor da etnia Macuxi. Responsável pelo termo “arte indígena contemporânea”, sua obra aborda temas como a identidade indígena, a relação com a terra e o diálogo intercultural.
É sempre bom reforçar que esse processo não se esgota no fazer artístico. Ele não pode se completar sem que haja a descolonização das percepções e olhares do público em geral. A educação e difusão desses pensamentos e saberes é fundamental para que as obras possam ser acolhidas e experimentadas sem resistência ou bloqueios pelos espectadores e colecionadores.
À medida que o diálogo e as discussões descoloniais, decoloniais e anticoloniais continuam a se desenvolver, inclusive, nas artes visuais, elas nos desafiam a repensar a maneira como vemos o mundo e a arte. Nesse processo de descolonização do olhar, as artes visuais não apenas refletem as mudanças em nossa sociedade, mas também desempenham um papel fundamental na construção de um mundo mais igualitário e representativo.
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